quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

PRISIONEIRA


Entrei silenciosamente no espectáculo
que havia começado,
uma história interminável no tempo
e no espaço, da qual ninguém
conhece o princípio ou o fim,
existia um lugar vazio e recatado que ocupei,
fui olhando à minha volta cada gesto,
rosto, cor ou som, o barulho era muito...
figuras agitadas que buscavam uma qualquer coisa,
as palavras eram soltas e eu subentendi
que havia chegado sem saber ao palco da vida,
esse elenco destemido que é passagem obrigatória
que a quermesse do mundo oferece sem aquisição
empurra-nos até os pés tocarem o chão.
Eis que me vejo perante a condição humana,
vasculho nos rascunhos do karma algum ensinamento
para poder dar um primeiro passo determinado,
mas a bagagem do nascimento vem vazia de manual,
com ouvido mais apurado escuto um murmúrio lá dentro:
tens alma e coração, corpo e pensamento,
és matéria e espírito, conjuga a sua convivência,
inspira cada detalhe da tua nova casa,
programa os cinco sentidos de que vens dotada,
a razão da tua existência busca-la em tudo e todos,
afinal aguarda-te a imensidão de seres pessoa
entre os demais que algures como tu pensavam estar à toa.
A descoberta convida-me trajada de liberdade destemida,
que lugar bonito e completo, tudo aqui é tão perfeito
que apetece tocar cada objecto, respirar cada essência,
escorregar pela harpa que embala a lua e o sol,
é um paraíso de felicidade pintado por uma mão de criador,
sinto-me levitar a cada sorriso,
quero falar com quem me cruzo,
a voz é um instrumento musical que
compõe sinfonias chamadas frases,
a luz e o escuro alternam acontecimentos
que são medidos utilizando a gíria de novo ou velho...
que vão ditando o crescimento do ser no seu todo,
sem compasso de espera
que interrompa um sonho ou uma quimera,
nem me dei conta e já faço parte do quadro...mas
agora que o vejo a primeira vez...parece-me imperfeito,
creio que me deparo com uma contrariedade a qual
baptizo de boa vontade e estarrecida dou-me conta
que é esse detalhe que se esqueceram de emoldurar,
o deslumbramento deu lugar à apreensão...
Então os sentimentos? São fechados num porão?
Em que segredo temível toquei pois de imediato
se erguem muros em meu redor, de pedras enfurecidas
de maldade enegrecidas, a minha sensibilidade
está subjacente à condenação,
que intrometida me proclama diferente,
vota-me à solidão, pelas masmorras da tristeza
lanço um olhar pela multidão, rezo pela epidemia
da amizade pura, cumplicidade sem restrições,
empatia generosa, solidariedade sem imposições...
acredito que se propagarão com uma pureza sem fim,
até esse instante sou...prisioneira de mim...


Cláudia Ferreira
23/02/2010

sábado, 20 de fevereiro de 2010

CHOVE...



O céu escurece e veste-se de negro,
as nuvens compadecidas com a minha dor
choram compulsivamente e juntam
as suas lágrimas às minhas para que
ninguém perceba que as gotas que
rolam no meu rosto não são água
mas sim mágoa,
o sol refugiou-se lastimando
a minha sorte fragmentada por
um qualquer temporal de assombros,
por um raio solto que deitou por terra
uma árvore transformada em obstáculo
intransponível, gigante Adamastor
que me assusta e perturba a serenidade
do meu mar forçando-me a fraquejar
tomada pelo pânico dos acontecimentos,
Cabo das Tormentas do meu eu
imponente perante a nau frágil em
que me transformei, de mastro rasgado
pelos dissabores, de casco lascado
pelas ondas da desilusão de quem um dia
foi mestre do destino e o deixou naufragar,
afundou-se a minha tripulação de esperança,
acordei deste naufrágio parecendo que
a vida foi não mais que uma lembrança.
Chove torrencialmente sem cessar
consequência do meu ser que soluça
revoltado por um sim mascarado de flor,
por um bosque encantado que alguém esboçou
enganosamente num qualquer
papel de cenário rasgado,
sorrisos que escondiam intenções tenebrosas
com dentes de vampiro afiados para sugar
até à última gota a felicidade que incomodava,
a serenidade foi trespassada por mãos
acolhedoras de lâminas afiadas portadoras,
tudo era um vazio preenchido de infinito,

criaturas que se vestem de persuasão
são laços de veludo negro sem coração
que amarraram tudo o que brilhava em mim
corroídas pela inveja que se revelou num trovão.
Saio à rua de pluviosidade abraçada,
frio húmido e gelado tenho como casa,
escorro pelos beirais
lavando a sujidade do Homem,
salpico os transeuntes nas poças do chão
para que abram os olhos de um alguém
que é multidão
inconsciente, anestesiada
pela rotina da avidez tão exigente,
trovejam os céus que comigo corroboram
a urgência da reformulação
do substantivo Humanidade na abrangência
de toda a sua complexidade,
parecendo que a cada dia se move,
sou mensageira da meteorologia dos sentimentos,
saudosos de um arco-íris de autencidade
que nas suas cores risca mentira e escreve verdade,
mas hoje...chove...


Cláudia Ferreira
20/02/2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

GOSTA-SE...E PRONTO...



Bolas de sabão desenham no ar
um ponto de interrogação
oriundas da passagem do sabonete da incerteza
pelo meu inconsciente recatado de destreza,
incoerência de resultados elaborados pela ciência
que sabe levar o Homem à lua
mas deixa em terra a explicação
das escolhas humanas que as mentes
aconchegadas no comodismo
aguardam sem esforço uma revelação
colocando no mesmo saco da indagação
o que é crucial ou banal
onde a introspecção não dá qualquer sinal.
Serei atrevida por me permitir
ir além do que os olhos vêem?
Serei pecadora por me predispor
a passar a verdade vociferada
e enraizada em que todos crêem?
O disfarce é uma doutrina da qual
não sou seguidora nem tampouco
a representação que não pela
expressão de arte
tem em mim uma espectadora,
a inquietude é uma aprendizagem contínua
que talha a escultura da minha personalidade
levando nutrientes ao meu crescimento interior
sabedor da diferença entre existir e viver,
contar e somar, supor e verificar.
As bolas de sabão deixam cair o meu
ponto de interrogação que alegre
por voar se diz de volta a mim
para enfatizar as palavras que se ajeitam
para perguntar:
De onde, quando e como surgiu o verbo gostar?
Não quero frases feitas ou lugares comuns
teorias ornamentadas de literatura,
por isso a minha alma de pássaro sugere
que procure na primeira pessoa do singular
reformulando a minha questão com objectividade,
olho o espelho que reflecte a minha inquietação
sede de justificar o capricho do meu coração
que palpita por ti desde o dia em que Cupido
desajeitado o converteu enamorado,
suspiro saudoso da alma que me atormenta
procurando a solução para este nós inacabado,
mas porque gosto de ti?
Não quero! Não fui eu que escolhi!
Vai-te embora arrepio de paixão
quero cessar esta devoção,
não quero gostar de ti!
Os meus olhos perdem-se no infinito,
cai-me no rosto uma bola de sabão
que beija a minha face numa
caricia até ao meu ouvido
sussurrando letras de um qualquer conto
repetindo este refrão:
Ninguém escolhe as pessoas de quem gosta...
Gosta-se...e pronto...

Cláudia Ferreira
14/02/2010

sábado, 13 de fevereiro de 2010

AOS (E)NAMORADOS



Vocês que enchem o mundo
com o mais belo dos sentimentos
não aguardem por uma data
o que podem manifestar
a cada segundo sem contenções
não se deixem levar
pelas celebrações com data marcada
e ofertas materiais de quem de
amor não sabe mesmo nada,
ousem mostrar um afecto
sem medo do ridículo,
com pureza e nobreza,
no silêncio de um gesto,
no grito dos sentidos,
nunca se intimidem pela dificuldade,
não existe persistência
que não derrote a adversidade,
o longe é perto demais,
a diferença traduz-se em igualdade,
cada degrau da incerteza
é subido com tenacidade,
ontem já foi passado e
o amanhã é uma surpresa
pois nada é definitivo nem eterno
senão o presente que podem
agarrar sem pensar,
não procurem leis ou remédios
e lógica ou razão,
a essência está aí,
fechada na vossa mão.
O amor é a mais bela das flores,
o mais inebriante perfume,
o ser de todas as cores,
alimentem-no com doçura,
reguem-no com ternura,
guardem esse néctar abençoado
na adega do coração para que
possa ser bebericado, degustado
sem qualquer moderação,
toquem o céu e percam-se nas estrelas,
construam pontes para
caminhar sobre os entraves,
falhem redondamente e
voltem para continuar
a caminhar nessa estrada dourada
pelos deuses abençoada,
onde pouco consegue ser muito,
onde nunca pode ser já,
criem uma linguagem só vossa,
cantem o que a alma vos sussurra
com uma nota identificada,
subam montanhas de desejos,
vejam o horizonte sem projectos,
ergam um castelo de momentos
com tijolos de instantes,
assistam ao enlace do céu no horizonte
com sorrisos de criança radiante,
mas sobretudo...
não tenham receio
do vosso barco naufragar,
pois pior que não terem conseguido...
é não ter havido a coragem de tentar...

Cláudia Ferreira
13/02/2010


LÁGRIMAS DE SANGUE



Abro o livro da nossa história
escrita por cada dia que
a vida nos permitiu
sermos personagens principais
de um guião predestinado
à tragédia que a plateia da ironia
assiste regozijada aplaudindo de pé
a nossa derrota idolatrada,
ávida de sangue e lágrimas
sem traço de misericórdia
sorri sombria ao trespasse
de dois corações abraçados
pelo infortúnio da devoção
que rezam a cada hora,
suplicando o resgate
de uma liberdade sem demora.
Que autor foi o criador deste romance
condenado pela crítica sarcástica?
Quem criou o cenário embelezado
pela cor da nossa lástima?
Personagens secundárias entram
neste elenco de papéis sabiamente
decorados com um desempenho
eloquente de vilões de emoções
que nos estendem as mãos
sujas pelo pó da traição,
agarram-nos num ápice
para manipularem, troçarem,
espezinharem, até à nossa exaustão
e num impulso empurram
as nossas almas já devoradas
para o tão temido alçapão da negação.
Releio cada página do livro com
a esperança dele conter uma
resposta encoberta, um parágrafo
por inventar, uma frase inacabada,
uma letra em vão caída no chão,
uma não frase de ilusão.
Que texto amaldiçoado é este
que deita por terra a minha esperança?
Porque não te reescreves de alegria?
Porque me subjugas a este massacre cada dia?
Interrompo a leitura pois dos meus olhos
caiem lágrimas de sangue
ao sentir essa recordação e leio-me
no pensamento sabendo de antemão
uma verdade, um ensinamento:
No amor chegamos à resignação...
...mas nunca ao esquecimento
...




Cláudia Ferreira
12/02/2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

NÃO SEI...NEM SEI SE O SABEREI...



O dia camufla a tua ausência
mas a noite é cruel e rega
as raízes da minha saudade de nós,
o silêncio convida ao eco do nosso riso
de alegria que preenchia e embelezava
o meu coração de cristal brilhante
que irradiava luzes da cor do carinho,
calor, paixão, amor, devoção...
Éramos nós...
Sem tempo nem lugar, sem limites para sonhar,
asas soltas para voar no céu
bem alto de quem cruza o horizonte
dos sentidos deslumbrados,
palavras bebidas pelos lábios que se tocam
e falam dialectos secretos,
corpos que tremem ruborizados pela
inocente timidez de se saberem desejados,
somos meninos sentados num banco de jardim
de mãos dadas com a pureza desse sentimento
que é tão nosso, nascido à revelia do pensamento
sem perguntar se podia ficar
se o podiamos guardar tatuado na alma,
imponente, corajoso, forte, poderoso, avassalador,
mar agitado que se viu incontrolado,
a adversidade desencadeou a tempestade,
as ondas afogaram o destino,
as nuvens choraram o nosso desgosto,
o vento soprou raivoso sobre aqueles
que moveram a terra para apartar os nossos caminhos,
o fogo chicoteou com labaredas os dedos perversos
de quem nos fechou a porta da felicidade,
o universo ficou magoado ao ver-nos
separados pelas garras da águia da inveja,
da cobiça, da intriga, da mentira, da perversidade,
que frustrada liberta a sua ira sobre nós
traçando um eu sem ti..., um tu sem mim...
Suplico ao mundo para te devolver...
Onde estás? O que sentes?
Não sei...nem sei se o saberei...
Mas sei onde estou e o que sinto...
Estou aqui, pisando este soalho
construído pelos destroços
daquele coração de cristal
que caiu no chão e se partiu,
todos os dias encontro um pedaço
e guardo-os um a um na gaveta da dor
de um desgosto de amor,
existo sem viver, este aperto no peito
solta uma lágrima, vontade sem querer perguntar
nem responder, um tudo cheio de nada,
multidão fechada na mão que aguarda
a minha voz calada que grita estilhaçada:
VOLTA!!!
Como é a tua vida sem nós?
Não sei...Nem sei se algum dia o saberei...



Cláudia Ferreira
09/02/2010

sábado, 6 de fevereiro de 2010

SERÁS ASTRO?





De que galáxia chegaste de estrelas revestido?
Luz intensa o teu olhar raiado de uma transparência
sobrenatural que liberta faíscas estremecedoras,
a tua voz são acordes de piano afinados
que embelezam essa noite de lua cheia,
os teus dedos perfumados de jasmim foram tecidos
com subtileza pelos mais belos fios de seda carmim.
Com que energia cósmica leve e inaudível
te deslocaste até mim?
Teu andar é uma valsa que abraça
num rodopio de passos de cetim,
os teus braços são dois raios de sol roubados
que liquidificam glaciares
ao olharem para ti, o teu corpo
é vulcão em erupção
lava escaldante que gosta
de se sentir desconcertante.
Que constelação te criou
e sabendo-te um astro te enviou?
Tua boca é fruto silvestre
de vermelho frutada de
de vitaminas pincelada,
teu rosto foi talhado pelo
mais talentoso artesão
com traços de força bela e
leve pitada da mais deliciosa canela.
Olho para o céu e procuro-te
sentindo o momento mágico em que
o teu olhar se cruzou com o meu,
relâmpago de paixão num abraço que cedeu
sobressaltando o meu mundo sereno
que inebriado se rendeu ao teu,
não sei se por um segundo ou por um ano
pois não existe tempo no enlace fugaz
de dois seres recortados para a moldura do amor,
não existe espaço que resista
ao fervilhar veloz do sangue aquecido
pelo bater incontrolado de dois corações
que sentem o sabor divinal
de uma fusão de almas sem temor,
eternizadas no cosmos dos sentidos
desobedientes e atrevidos,
trovoadas de emoções sem definição,
fascínio da felicidade sem padrão,
no silêncio rezamos juras inéditas
entregues a uma estrela cadente
e desapareces nesse instante
à velocidade da luz sem que
tenha tempo de saber quem és
tu deixas em aberto o teu rasto,
grito ao universo o teu nome...
...que não sei...
...
SERÁS ASTRO?



Cláudia Ferreira
06/02/2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

CAVALEIRA DE SONHOS




Rabisco na folha solta da minha imaginação
traços de personalidade fragmentada
pela erosão da realidade veloz
que atropela um inconsciente desolado
perdido no nevoeiro dos desejos sem voz.
Observo traços soltos que o lápis do desencanto
teima em desenhar sem cessar
expressão desordenada de um pensamento
que divaga ao procurar no abandono
o caminho de retorno
murmurando a memória de uma estrada
situada entre a partida e a chegada
da ousadia do sonho inconformado
por se expressar abandonado
em folha rasurada pela alma
de cicatrizes adornada,
sufocada pelo muro da razão.
Um vento que sopra
sobre a minha folha de papel
transporta-a no rodopio de um carrossel
de esboços que pedem para ter forma
adivinhando-se um cavalo que salta
para outra dimensão, essa que só conhece
quem não se esconde no biombo da ponderação
seres que se negam, anulam,
estranguladores de vozes interiores,
corações amordaçados, amedrontados
pelo receio de sentir, desejar, rir, chorar,
gritar, amar...e um sem fim de vocábulos
que traduzem estagnação do crescimento interior,
desconhecimento de momentos de ardor.
Fito o cavalo que me sabia sedenta
de acariciar a sua crina de esperança
a mulher dá lugar à criança que dentro de si
teima em mostrar que é imperativo sonhar,
sem hesitar entro a galope na existência com vida
trago uma estrela para iluminar o caminho,
um raio de sol para aquecer a solidão,
um pedaço de céu para salpicar de azul a escuridão...
assim sou eu: CAVALEIRA DE SONHOS...
Procura-me num pedaço de papel,
num rasto esbatido, numa noite de luar,
num sorriso perdido, num rasgo de sensações,
num mantra que ecoa, num botão caído num chão,
numa brisa que te afaga o cabelo, no refrão
da tua canção esquecida...
Agora tenho de ir...
lembrei-me de uma verdade
que deixava esquecida...
vou contar-te um segredo:
pssss...o sonho comanda a vida!


Cláudia Ferreira
05/02/2010